Por José-Martinho Montero Santalha (*)
Uma folga dos filósofos
No livro dedicado a lembrar e homenagear a figura de Dom Digno Pacio Lindín e o seu labor como formador e professor no Seminário de Mondonhedo (Dino Pacio Lindín, o guía dunha vangarda cultural, editado em 2021 por Gráficas Lar, de Viveiro, e coordinado por Manuel Rivas García), relata-se como os alunos do curso que no ano académico 1963-64 estudava primeiro de Filosofia realizaram uma folga em protesta contra o professor de Filosofia, Dom José María Fernández.
Pelo que nesse livro contam alguns membros desse curso, foi para eles uma experiência marcante. Xesús Andrés López Piñeiro lembra que
“asambleariamente decidimos facer folga contra as clases que nos aprendían a filosofía tomista en latín, […] Tamén eu sentía, non sabía porqué, que aquela folga era importante. Queríamos deixar o latín para incorporarnos ao mundo real. Aprendín o goce que produce a solidariedade do grupo” (p. 143).
E Manuel Rivas García conta mais detalhes num parágrafo dedicado ao caso («A primeira folga de Filosofía»: pp. 225-226):
“O meu curso empezaba Filosofía […] e con nós tamén se estreaba o profesor de Lóxica […]. Texto e clases impartíanse en latín […]. O problema complicouse ao tratar de aclarar ideas dando varias definicións das mesmas. As dificultades para entender con claridade determinados conceptos e as datas de exames que asomaban no horizonte levounos a xuntarnos para solucionar o problema. […] O idioma latino tampouco facilitaba as cousas xa que o usual era expresarse en castelán e a veces coloquialmente en galego. Determinamos plantarnos ata que o profesor cambiase de método. […] Ao final impúxose a razón e as clases seguiron en castelán e con unha soa definición de conceptos”.
No Seminário havia experiências que compartíamos todos os seminaristas, e outras limitadas a cada comunidade ou a cada curso. Em geral, eram os alunos de um mesmo curso os que viviam mais intensamente a convivência, devido às muitas horas e experiências que compartiam nas classes, onde se conheciam não só as capacidades intelectuais de todos mas também muito da identidade pessoal e da atitude vital que cada um tínhamos.
Neste caso concreto da folga dos de primeiro curso, para os outros dous cursos da comunidade de filósofos naquele momento, pelo que lembro, o feito passou quase inadvertido. Recordo que eu, que fazia parte do curso precedente (segundo de Filosofia), conheci o assunto pelo que nos comentava Félix Villares Mouteira, com quem compartia então a redacção da revista policopiada Trapecio (juntamente com Antón Lamapereira, que era o director, e com Antonio Rivera).
A docência de D. Perfecto
No ano académico anterior (1962-63) os do meu curso realizáramos uma iniciativa diferente, mas com um objectivo similar. O professor de Filosofia nesse primeiro curso era então o cónego Dom Perfecto Alonso (1902-1976), santo varão, docente extremadamente respeitoso, cordial e até paternal com os alunos; apesar de não ser de idade não mui provecta (arredor dos 60 anos), andava já com problemas de saúde.
Na primeira parte do curso estudava-se a Lógica, e nesse campo as ensinanças de D. Perfecto moviam-se com aceitável domínio, em todos os jogos dos silogismos: “Si llueve, el amigo no viene; es así que no viene, ergo… Ergo nihil”, dizia D. Perfecto em atitude de inocente picardia.
Mas na segunda parte do curso, quando se tratava da Metafísica, a sua docência era claramente insuficiente: limitava-se a lermos na classe o texto latino do manual de Boyer e a traduzi-lo, ocasionalmente com algum leve comentário seu.
Talvez algo tivera a ver com essa situação a mudança do livro de texto de Filosofia: vinha sendo o da BAC, mas por sugestão de D. Digno, que conhecera na Universidade Gregoriana o jesuíta francês Charles Boyer (1884-1980), adoptou-se como texto o seu Cursus Philosophiae, manual em 2 volumes, que desde havia anos vinha tendo muito êxito nos seminários de vários países de Europa e de América. (Ainda conheci na Gregoriana nos anos 60-70 o Padre Boyer, já então jubilado da docência: era um velhinho miúdo e ligeiro, trabalhador incansável, e via-se frequentemente na biblioteca tomando apontamentos).
Uma carta colectiva ao bispo
Seguramente partiu de Dom Digno (quiçá atendendo as nossas queixas de insatisfacção) a ideia de dirigirmos uma carta colectiva ao senhor bispo, Monsenhor Jacinto Argaya, na qual, sem citarmos o nome de Dom Pefecto, lhe deixássemos ver qual era a situação da docência. Dom Digno encarregou-nos a Moncho (Ramón González Fernández, falecido há já alguns anos) e a mim redigir a carta. Como convinha que a iniciativa não transcendesse de momento ao conhecimento geral, para que o labor resultasse mais confidencial, sugeriu-nos aproveitar uma tarde de quinta-feira (joves), numas horas em que o resto da comunidade estava fora do Seminário, no habitual passeio das quintas-feiras.
Redigimos, pois, o texto. Depois de que Dom Digno o revisou e o aprovou, faltava escrevermos a carta definitiva e recolhermos as firmas dos companheiros do curso. Eu próprio escrevi à mão a carta num duplo fólio, de maneira que houvesse espaço suficiente para as assinaturas de todos. Pela nossa conta decidimos fazer três cópias idênticas, duas delas para cada um de nós, e conservo ainda a minha, que reproduzo aqui. Moncho e eu fomos percorrendo os quartos de todos os companheiros individualmente, explicando o assunto e recolhendo as suas firmas nos 3 exemplares da carta.
Por certo, o feito de haver várias cópias provocou depois inquietude no reitor Dom Justo Trashorras: quando se inteirou, chamou-me para perguntar-me a razão das cópias sobrantes, pois, segundo me disse, estavam preocupados com que fosse para enviar à nunciatura…. Quedou tranquilo quando lhe expliquei que era simplesmente para guardarmos nós constância do escrito.
O texto da carta
A carta dizia assim:
Mondoñedo, 4 de Abril de 1963.
Excmo. Rvdmo. Sr. Dr. D.
Jacinto Argaya Goicoechea
Querido Sr. Obispo:
Somos los filósofos de 1º. Hemos comenzado la Filosofía con grandes ansias de aprenderla a fondo y de sacar el mayor provecho de su estudio.
Durante la primera parte hemos estudiado todo lo que pudimos; pero no aprendimos lo que deseábamos.
Ahora reunimos todas nuestras fuerzas para aprender la Metafísica. Dándonos cuenta de su gran importancia y del vacío que nos causa el dominarla poco. hemos procurado aprovechar todas las ocasiones que se nos presentaban, en la clase o valiéndonos de compañeros más adentrados, y superiores. Y a estas alturas nos encontramos bastante mal y con conceptos muy oscuros.
A las puertas de estas vacaciones queremos pedir a S. E. que nos facilite unos cursillos de Metafísica durante estos días.
Con esto no quisiéramos estropear los proyectos que S. E. tenga sobre nuestra situación.
Esperando que S. E. se digne complacernos, y pidiendo al Señor pleno éxito en sus empresas, besamos humildemente su Anillo Pastoral,
José Martín Montero Santalla Ramón J. González Fernández
Santiago Rubal González Pedro Piñeiro Hermida
José Hermida Pumares José Pereira Castiñeira
Marcos Parapar Lago Pedro Conde González
José Martínez Eijo Manuel Rodríguez Luaces
José Carlos Moreno Barragán Jesús Pena Seijas
Benjamín Crecente Tellado Rodrigo Pantín y Ares
José M. Iglesias Gómez Bernardo Villares Carballido
Germán Chao Falcón Manuel López Rico
Juan José Mateo Docampo José Roca Ferreiro
José Méndez Legaspí Alfonso Pernas Rey
Seoane Hermida Daniel González Irimia
Gonzalo Chao Falcón
Santiago Pouso Rico José Lombardero Corbeiras
José A. Cabado Pampín Francisco Martín Fernández Martínez
Celestino Carrodeguas Nieto
O resultado
Passaram muitos anos e não consigo já recordar como foi que fizemos chegar a carta ao bispo Argaya. Se a memória não me engana, devemos de levar-lha Moncho e eu pessoalmente, depois de que D. Digno lhe solicitara que nos recebesse e lhe explicara o motivo da nossa visita. Quiçá se conserve no arquivo diocesano.
Ou nesse momento ou poucos dias mais tarde D. Jacinto recebeu-nos afectuosamente e comentou-nos que D. Perfecto estava enfermo e cargado de trabalho na cúria e no cabido, e havia tempo que desejava deixar as classes.
E assim foi. O santo D. Perfecto recebeu não já com resignação mas com autêntico gozo o conhecimento da nossa carta. Incapaz de nenhum tipo de ressentimento, até nos comentou com humor que vira bem a solidariedade com que assinaram todos ou quase todos (de feito, houve algum que recusou assinar). Foi, pois, esse o seu último ano de professor.
No curso seguinte ocuparia o seu posto docente D. José Maria Fernández, nativo também de Arante como D. Perfecto –e, como vimos, repetiu-se o rejeitamento do alunado, com características algo diferentes…
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