Por José-Martinho Montero Santalha (1)
Nos meses finais do ano 1956 publicou-se (semi-clandestinamente) em Mondonhedo um livrinho simpático que se intitulava Belén en Galicia: Versos infantiles y populares que se recitan en la costa norte de Galicia ante el «nacimiento». (Apesar deste título em castelhano, o conteúdo do livro está quase tudo em galego: são em galego todos os textos, só estão em castelhano algumas breves indicações para a actuação dos nenos na sua recitação ante o belém).
Um livro semi-clandestino
Dizia que se publicou semi-clandestinamente porque carece de qualquer informação bibliográfica: no livro não aparece nem editorial nem imprenta nem lugar de impressão nem nome de autor, pois claro está que a autoria Benipaz não é propriamente um nome pessoal, ainda que para quem saiba a história da publicação tem um significado claro: Beni(gno) + Paz (Camps).
Podemos perguntar-nos por quê o livrinho se publicou dessa maneira, visto que, tratando-se, como se tratava, de inocentes versos infantis, de expressão religiosa e ingénua, não continha afirmações que pudessem ser interpretadas como carregadas de alguma crítica política, que chocassem com a rígida censura franquista da época. Pelo que ouvi comentar ao principal autor, o meu cura de então Benigno López, essa medida tomou-se porque na cidade de Lugo (a capital da província, onde tinha que apresentar-se à censura prévia o livro projectado) havia um censor que opunha resistência a dar a aprovação a livros em galego.
A verdade é que a publicação de um impresso sem passar antes pela censura prévia, então obrigatória, era uma operação arriscada, pois estava castigada com severas penas, tanto para o autor como para a imprenta onde se editava. Neste caso, tanto os autores como a imprenta deveram de sentir-se protegidos pelas características inocentes da publicação, supondo que o poder político, oficialmente católico, não se atreveria a castigar a edição de um livro tão abertamente religioso. De resto, temos que supor também a cumplicidade e o apoio do bispo, D. Mariano Vega Mestre.
Os autores-recopiladores
O nome Benipaz era uma espécie de anagrama que ocultava os nomes dos dous autores (mais exactamente: recopiladores), dous sacerdotes diocesanos: Beni(gno López Díaz) e (José María) Paz (Camps).
Benigno López Díaz nasceu em Pinheiro (Cedeira) em 15 de setembro de 1925 e faleceu em Ferrol em 16 de dezembro de 2019 com 94 anos de idade. Naquele momento era o cura de São Romão (de Montojo), no seu concelho nativo de Cedeira. Mais tarde secularizou-se e morou com a família na zona de Ferrol desempenhando diversos trabalhos.
José María Paz Camps nasceu em Manhom em 12 de junho de 1929 e faleceu em Santiago de Compostela em 26 de março de 2018. Naquele momento encontrava-se, havia pouco tempo, em Santiago de Cuba, aonde fora fazendo parte da OCSHA (“Obra de Cooperación Sacerdotal Hispanoamericana”), iniciativa de ajuda às dioceses hispano-americanas promovida pelo episcopado espanhol. De Cuba passou aos Estados Unidos quando a vitória do castrismo, e ali exerceu o sacerdócio durante muitos anos, gozando de um grande prestígio e carinho dos fregueses. Voltou por um breve período à nossa diocese nos anos 70, e foi párroco em Viveiro (1973-75). O seu irmão Modesto, pintor de reconhecida fama, fora também aluno do Seminário de Mondonhedo durante vários anos.
A imprenta
A imprenta mindoniense onde se elaborou a composição de Belén en Galicia foi a de “Sucesores de Mancebo”, bem conhecida e estimada nos círculos diocesanos, pois imprimia muitos trabalhos do Seminário e do bispado.
Resulta que o proprietário, Jesús López Díaz, tinha os mesmos apelidos que Benigno, e essa foi a causa de que surgisse entre eles uma amizade perdurável (que eu mesmo tive ocasião de comprovar durante os meus anos mindonienses e ainda depois).
A folha de apresentação
O livrinho foi enviado gratuitamente aos sacerdotes da diocese. No envio incluía-se uma folha solta impressa, assinada pelos autores com o seu nome explícito. O texto era o seguinte:
¡FELICES PASCUAS!
Navidad 1956
Amigo y compañero en el Apostolado Parroquial:
Tenemos la satisfacción de poner en tus manos este libro de versos gallegos para Navidad, que no intenta ser más que una copia en limpio de todas esas alabanzas que en monólogo o en diálogo se tributan al Divino Niño en el idioma tierno de nuestro lar. Son versos sencillos, populares y por eso mismo familiares y consagrados ya por nuestro pueblo, sobre todo en la zona alta de Galicia.
Hace mucho tiempo que venimos preparando esta primera edición. Como en todo proyecto, tampoco aquí faltaron dificultades. La principal, sin duda, fue la adulteración consiguiente a toda copia que circula escrita a mano. Un mismo verso recogido en distintos lugares sufría diferencias tan inmerecidas como lamentables. ¿Cómo hacer la corrección? ¿En lenguaje vulgar o en científico?… Fácilmente pueden pesarse las razones que abogan en cada caso.
Por fin, mirando preferentemente el objeto de nuestro trabajo, nos hemos encontrado con la evidente necesidad del término medio: huir de la chabacanería sin caer en el refinamiento culterano. Recordamos a este propósito unas palabras de Lugrís Freire.
“Pondal doíase moito de que houbera escritores galegos –ainda os sigue habendo pra mal dos nosos pecados– que, coidando d’ aquel xeito eran mais galegos, mais enxebres, bautizaban os seus traballos con nomes disonantes, brutos e prosaicos, que tan alleos son â índole esgrevia, noble e sabiamente ortofónica do idioma”.
Queremos que nuestro idioma popular sea un brote más de esta terriña, que dá también sus flores para el altar de Dios. Que enlace en franca armonía la aromática inocencia de los niños con la gracia irradiante de Enmanuel.
Esto hemos pretendido en este humilde trabajo. No lo consideramos acabado, ni mucho menos, y por eso mismo agradecemos tu colaboración, tus indicaciones y sugerencias, que contribuirán a conseguir más plenamente nuestro fin.
A quien se halle en la posibilidad de hacer una colección más completa, sobre todo a base de elementos de otras zonas galaicas, nuestro sincero ánimo y aliento.
A todos, una vez más, Felices Pascuas.
Y nos ofrecemos en todo lo posible, sin formalismos y de verdad, en San Román de Montojo y en Santiago de Cuba.
Benigno López Díaz
José María Paz Camps
A autoria dos poemas
Na colectânea de poeminhas podem descobrir-se variedade de fontes.
Alguns são textos (ou fragmentos) dos vilancicos galegos cantados na noite de Natal na catedral de Mondonhedo ao longo do século XIX, nomeadamente da autoria do cura de Argomoso Antonio Maria Castro Neira (Mondonhedo 1771-1826), mestre que exerceu influência literária em Nicomedes Pastor Díaz.
Outros têm procedência literária e foram publicados anteriormente. Por exemplo, o “cuadro escénico” «Os zonchos de Navidad» (pp. 69-71) é obra do sacerdote vilalvês José Maria Chao Ledo (1844-1894). «Neno de cabelos de ouro» (pp. 7-8) é um fragmento do poema «O neno de Belém» do arcebispo compostelano Manuel Lago González, depois musicado por José Torres Creo (Requeixo, Pontecesures 1874 – Vigo 1939) e bem conhecido dos coros galegos, também no Seminário de Mondonhedo (no coro formado e dirigido no Seminário Menor por José Luís Caruncho).
Finalmente, outros dos poemas do livro, seguramente a maioria, foram compostos para a ocasião por sacerdotes e seminaristas diocesanos. Félix Villares Mouteira na sua antologia Un alpendre de sombra e de luar (Biblos, 2007) dedica a Belén en Galicia um apêndice especial (pp. 713-720), onde, ademais de reproduzir vários poemas, identifica como autores de alguns os sacerdotes mindonienses José Antonio Rivas Reigosa, José Ramón Goás Gómez, José María Díaz Fernández e Fernando Porta de la Encina.
Algumas características
O livro está organizado em duas partes, de extensão similar em número de páginas: «Monólogos» (53 em total) e «Diálogos» (29). Os nenos actuantes apresentam frequentemente caracteres pessoais definidos: há tanto nenos como nenas, individualmente ou em grupo (irmãos, amigos, vizinhos).
A característica mais comum (e mais encantadora) dos poemas é o anacronismo em que se movem com plena naturalidade: um anacronismo que salta por cima dos séculos e leva à identificação e confusão do tempo presente (descrito com as circunstâncias pessoais dos nenos: família, trabalhos, amizades, escola) com o tempo do nascimento de Jesus (Belém, o neno com Maria e José, os anjos, os pastores).
Os nenos oferecem ao recém-nascido alguns dos bens típicos da produção agrícola do seu lar familiar, especialmenmte alimentos (queijo, mel, manteiga, ovos…) e roupa de abrigo para proteger-se do frio.
Uma segunda característica, que também tem sido assinalada nos vilancicos catedralícios, é a mistura de afirmações teológicas (Jesus como Messias ou como Redentor da humanidade) com expressões e crenças de índole popular e de devoção singela.
No aspecto formal linguístico-literário, há também no livro uma grande diversidade. A estrutura versificatória varia: prevalecem os romances, de medida silábica breve (e de rima assoante não sempre regular), porém alguns poemas possuem uma conformação mais académica. A língua é, em geral, a do território da diocese mindoniense, com as suas modalidades dialectais (por exemplo, com as variações tu / ti, pequeniño / pequenín), mas nalguns pontos há concessões à fala de outras zonas da Galiza, nomeadamente da área compostelana e sudatlântica. Não faltam os castelhanismos difundidos na fala popular; por exemplo, Dios é de uso constante.
Influências
Apesar de que a difusão do livrinho poucas vezes deveu de sobrepassar os limites diocesanos, podem constatar-se algumas influências no género de poesia infantil natalícia em galego.
Na própria diocese o livro teve como uma continuação noutra obrinha similar: o poemário de outro sacerdote mindoniense, D. Manuel Pérez Pérez (Mondonhedo 1891 – Ferrol 1981), intitulado Versos navideños (Ed. Celta, Lugo 1969), que levava um prólogo de Álvaro Cunqueiro. Apesar da sua inspiração popular, os poemas de Pérez Pérez mostram bom domínio da técnica literária e possuem graça autêntica, de modo que em geral são de qualidade superior aos recolhidos em Belén en Galicia.
Epílogo pessoal
A publicação de Belén en Galicia, quando eu tinha 9 anos, vai ligada aos mais formosos recordos da minha infância nas actividades do catecismo parroquial de São Romão.
O catecismo, depois da missa parroquial dos domingos, era uma gozosa festa para os nenos da freguesia, que naqueles tempos éramos muitos. D. Benigno, então um sacerdote jovem, repleto de entusiasmo, de iniciativas e de entrega pastoral, possuía uma mágia connatural para a infância. Tantos cantos (desde os cânones infantis «Debajo un botón ton ton, que encontró Martín tin tin» e «Bartolo tenía una flauta con un agujero solo» até o italiano «Sotto il ponte di Rialto»…, e, sempre, como canto de saída, «Cuando de mi patrona voy a la ermita»), tantos vilancicos… e tantos caramelos… Os concursos, as rifas, as excursões… Recordo que com a colaboração do seu grande amigo Paz Camps organizara uma «Missão infantil», à imitação das missões populares que se faziam nas parróquias: uma amostra mais da sua valorização da infância.
Ao nome de D. Benigno está também ligado o de Higinio Rodríguez López, freguês da parróquia, hoje sacerdote e então ainda seminarista, colaborador em muitas actividades parroquiais, excelente músico, que tantos cantos nos ensinava durante as vacações, com infinita paciência (ademais de dar classes de matérias escolares num local comunitário)… Para ele também o meu agradecimento carinhoso.
Amostras poéticas
Reproduzo seguidamente alguns dos poemas, sem outras modificações que a correcção de algum erro de impressão ou de distribuição do texto.
E non sinte o frio…!
(pp. 5-6)
[Fala a Virgem Maria:]
Mirade o meu Neno
nas pallas durmindo.
Qué flor medio aberta!
Qué roibo, qué lindo…!
Sin roupa durmindo nas pallas ¡meu probe…!
e non sinte o frío…!
Qué noite máis negra
d’inverno, “Dios mío”…!
N’hay lume nin berce,
nin pan nin abrigo…
I-o Neno durmindo nas pallas ô aire…
e non sinte o frío.
Xa m’entra a friaxe
xa non sei si vivo!
No colo cantando
coll-ô meu santiño
I-él dame cen cuchos na boca e na frente
e non sinte o frío…!
Do monte cantando
baixan de camiño
os ledos pastores
pra ver ô meu fillo…
I-él goza con eles e ri, miña prenda…!
e non sinte o frío.
“¿Tés frío, vidiña?”
dinlle moi baixiño.
I-o Neno responde
cantando e surrindo:
“Eu baixen d’os ceos pra acender a terra…
E NON TEÑO FRIO…!!!”
«Xa estou contento»
(p. 13)
Paséi rios, paséi pontes,
paséi desertos e mares,
corrín todol-os camiños
i-andiven os sete andares.
Paséi fame, paséi sede,
pedín por portas panciño,
dormín deitado no chan
como si fora un canciño.
Máis agora estou contento,
e d’ alegría estou cheo,
vendo n-as pallas ó Neno
que nos mandaron do ceo.
De todo estou esquencido
pois xa cheguei a Belén,
á-gasaxarte, MEU NENO,
POR SEMPRE, XESÚS. AMÉN.
«Non quero que chores
(pp. 26-27)
¡Xesús! qué cansado veño;
gracias a Dios que cheguei:
vin pol-a mañán moi cedo
ver o Neno, xa se ve!
Vin’o mortiño de frío…
–non ten nada que poñer–
e caéronme as bágoas
sin que as poida conter.
Así que lle din un bico,
funme bulindo, e mais ben,
pra logo pol-a tardiña
poder volver a Belén
con esta parruzadiña
pra que t’ abrigues, meu ben.
Toma, estreliña do ceo,
–non quero que chores mais–
estas catro camisiñas
de lenzo de seis reás,
tres refaixos encarnados
pra que teñas qué mudar.
Adiós, Meniño querido,
miña almiña aquí cha deixo
pra que te cuides Ti d’ela
sin a deixar un momento.
«Meu santo do ceo
(pp. 28-29)
Xesús, meu santo do ceo!,
en qué pobreza t’ encontro
desnudiño n’ unhas pallas
Tí que eres dono de todo…
Naide che trouxo un capote
nin tampouco unha mantela…
Pois cala, criaturiña,
Ti desde agora vas tela.
A xente que ten diñeiro
prepara n-a canastilla
pra cando nace un pequeno;
pro eu como son probiña
preparei un garabelo,
e n-el metín a roupiña
pra Tí, meu santo d’ o ceo.
Agora has quedar contento,
¿verdá, meu corazonciño?
(Miña xoia, desde lonxe
sentin-o chorar de frío…)
Adiós, meu Neno querido:
a cambio d’a miña ofrenda
solo che pido me guies
no mundo por boa senda.
«Dous veciños de Belén»
(pp. 82-83)
Antón.– Adiós, compadre,
¿pra dónde vai?;
parece que leva presa
con ese modo d’ andar.
Xan.– ¡Ay compadre!… non-o vía!,
dispense. ¿Vusté non ven?
¿Non sabe que naceu hoxe
o Neno Dios d’ Israel?
Antón.– Nada lle sei, meu compadre,
pro ll’ estou moi pensativo
porque fun pol-a mañá
facer un viax-á vila
e vin xente alborotada:
uns en mangas de camisa,
outros bailando e brincando,
todos con moita alegría,
e como non sei por qué,
espero que usté m’ o diga.
Xan.– Nada lle digo, tío Antón,
porqu’ eu d’ eso nada sei
sólo supen qu’ en Belén
naceu o Dios d’ Israel.
Veña conmigo e veremos
un Neno recén nacido
deitadiño n’ unhas pallas
e terecendo de frío.
Antón.– ¡De frío!… ¿O noso Ben?
¿O Mesías prometido
está tembrando en Belén?
Espera, que vou á casa
a buscar un cobertor
porque o Neno que ten frío
éll’ o-noso Redentor.
Xan.– Veña logo.
Antón. – Enseguidiña.
Xan.- Voum’ andando.
Antón. – Non, espere
e xuntiños lle pedimos
qu’ á sua terra nos leve.
Xan.– Pois entonzas, veña agora;
xa traerá o cobertor.
Xan.– Aquí nos tés, Neno amado.
Antón.– Aquí nos tés, noso Amor;
hasta mañá que volvamos
pedímosch’ a bendición.
Biografía de Martinho Montero Santalla
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